G1
Interações nesses grupos, onde ataques contra mulheres são organizados e a presença delas é vetada, passaram de 19 por semana para 228 por hora nos últimos 2 anos, aponta pesquisa. Segundo levantamento, 46% do conteúdo de grupos anônimos menciona alguma forma de violência contra meninas e mulheresSimon Stratford/FreeimagesAs postagens em grupos anônimos, os chamados "chans", que se notabilizam pelo ódio contra as mulheres, explodiram nos últimos dois anos: passaram de 19 por semana para 228 por hora.Mais de 9,5 milhões de posts dentro de 10 "chans" e 47 grupos em aplicativos de mensagens foram analisados entre junho de 2021 e junho de 2023 na pesquisa "Misoginia e Violência contra mulheres na internet: um levantamento sobre fóruns anônimos", do Instituto Avon.Quase metade (46%) do conteúdo mencionava alguma forma de violência contra meninas e mulheres. Quando as discussões eram sobre pornografia, esse número saltava para 69%."Chans" é a abreviação de "channels", ou seja, canais. Esses espaços são anônimos (90% são encontrados na deep web) e têm como regra de ouro a proibição a presença de mulheres.'Deep web': entenda o que é e os riscosO domínio da norma culta da língua portuguesa também é usado como código de superioridade. Valendo-se do anonimato, os frequentadores organizam ataques online, tendo como alvos influenciadoras e celebridades.Nos posts de canais e grupos analisados na pesquisa, foram encontrados mais de 18 mil comentários que pedem vazamento de nudes ou são fotos e vídeos vazados. As mulheres são retratadas como objetos para satisfação sexual e chamadas de "depósito" de esperma. Outros termos comuns são "churrascar", que significa morrer, e "raid", que é expor intimidades de alguém.Uma das mensagens diz: "Eu queria muito que ela se churrascasse com esse revólver fodido. Daria um ponto final a essa história. Já não aguento mais ver uma puta se safando só porque é mulher".Outros comentam: "Se houve traição, você deve esfaqueá-la e matá-la lentamente", "Acho que a Júlia vai churrascar" e "Se mata, Júlia". Termos como "churrascar", que significa morrer, e "raid" que é expor intimidades de alguém são comuns em fóruns anônimos, os chamados "chans"ReproduçãoMais uma regra desses grupos é não compartilhar conteúdos sobre pornografia infantil – só que esta não é respeitada. A pesquisa encontrou uma grande demanda dos usuários por conteúdos de meninas menores de idades, chamadas de "novinhas" e "jail bait", ou seja, "isca de cadeia".Nos grupos de aplicativos de mensagens monitorados, 36% têm "vazamento" no próprio título, parte deles seguido pela palavra "novinhas".Apesar de serem fóruns anônimos, a pesquisa conseguiu mapear pelas postagens um perfil dos frequentadores. E ele é bem claro: homens heterossexuais, a maioria jovens entre 20 e 24 anos, e que se identificam como conservadores.São pessoas que "expressam grandes dificuldades socioafetivas, sentimentos de fracasso e rejeição, em especial em relação às mulheres". E, por isso, repetem posicionamentos misóginos, racistas, xenofóbicos e de incitação à violência – várias delas, até mesmo zoofilia.Postagens de ódio contra mulheres nos chamados "chans" explodiram nos últimos dois anos, subindo de 19 por semana para 228 por horaReproduçãoE não param por aí: eles usam esses fóruns para organizar ataques, com exposições de intimidade e perseguição moral tanto na internet quanto fora dela. Algumas mulheres chegam a receber até ameaças de morte."Os espaços com debates sobre mulheres são marcados por ressentimento, raiva e objetificação", diz a pesquisa.Os "chans" são, para esses homens, um espaço de sociabilidade, onde eles buscam outros que pensam da mesma forma. "Há muito confronto de opiniões, discordâncias e críticas, mas também muito acolhimento e compartilhamento de um mesmo ponto de vista", conclui o estudo.Foram fóruns desse tipo que fomentaram ataques em escolas dos últimos anos, como o massacre de Realengo, em 2011, e o de Suzano, em 2019. Logo após o ataque, comemorações e mensagens que atribuíam heroísmo à barbárie pipocaram nos posts.Mas, além de os fóruns na deep web se popularizarem a cada ano, multiplicando o engajamento, essa "cultura do chans" também tem saído da obscuridade e se tornado mais acessível, em plataformas sem anonimato.A pesquisa constatou o uso de termos antes ditos só dentro dos grupos, como "jail bait" e "depósito", em redes abertas, como o Twitter e o YouTube. O número de menções de palavras do tipo triplicou entre junho e julho deste ano.LEIA TAMBÉM:Como denunciar posts em Facebook, Instagram, TikTok e outras redes sociaisBrasil tem ao menos 4 processos por dia por divulgação de imagens íntimasTeve um nude vazado? Saiba como juntar provas, denunciar e pedir remoçãoComo denunciar postagens no Instagram, TikTok e Kwai e em outras redes sociais'Ajoelha, se prostra para mim': criminoso usava Discord para chantagear adolescentes e obrigá-las a se mutilar com sua assinatura