O Boticario

Massacre na Síria viola promessa de união do governo, diz especialista

Os massacres que vitimaram cerca de 1,2 mil civis de importante minoria religiosa da Síria, os alauítas, violam a promessa do atual governo de Damasco de fazer uma administração que inclua todos os sírios, respeitando as diferenças étnicas e religiosas.

Por Akontece em 12/03/2025 às 15:09:09

Os massacres que vitimaram cerca de 1,2 mil civis de importante minoria religiosa da Síria, os alauítas, violam a promessa do atual governo de Damasco de fazer uma administração que inclua todos os sírios, respeitando as diferenças étnicas e religiosas. Essa é a avaliação de especialistas em Oriente Médio consultados pela Agência Brasil.

O professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Mohammed Nadir, avaliou que os assassinatos em massa de civis alauítas, incluindo famílias inteiras e de crianças, enfraquece o discurso do novo presidente do país, Ahmed al-Sharaa (al-Jolani), de que o novo poder irá respeitar as minorias e promover um governo de união nacional.

"Com esse massacre, começa a cair por terra todo aquele discurso inicial de ponderação do Ahmed Sharaa, de que a Síria é para todos os sírios, que vai ser inclusiva, que não vai excluir ninguém. De certa forma, o massacre mostra a outra face do Hayat Thrir al-Sham (HTS)", afirmou o pesquisador.

Oriundos de extremistas jihadistas sunitas, como Al-Qaeda e Estado Islâmico (EI), o principal grupo que compõe o novo poder na Síria – o HTS – abandonou o antigo discurso de "guerra santa" e tem prometido fazer uma gestão sem sectarismos ou discriminação.

O professor Nadir lembrou que os alauitas formavam a principal base do antigo regime de Bashad al-Assad, cuja família, que governou o país por 60 anos, também professa essa vertente do Islã. O alauismo é uma dissidência dos xiitas e representa cerca de 10% da população Síria.

"Provavelmente, tem havido ações vingativas contra a minoria alauita, e isso levou a que muitos pegassem em armas para se defender", afirmou o especialista. Ele acrescentou que, apesar do governo lamentar o que aconteceu, tem exigido que os alauitas entreguem suas armas.

"Portanto, o governo não só fez vista grossa [dos massacres], mas, sobretudo, desafiou a comunidade alauita para que ela se desarme para, enfim, subjugá-la de certa forma", concluiu.

Há em curso uma fuga de famílias alauítas para o Líbano por temerem novos massacres em massa. Segundo a Reuters, mais de 350 famílias sírias teriam cruzado a pé o rio que divide os países.

A onda de violência contra os alauitas teria começado após um conflito entre grupos ligados ao antigo governo e forças de segurança da atual administração, gerando uma reação contra os civis alauitas nas províncias de Lataquia e Tartus.

Em resposta aos massacres, o novo governo anunciou a criação de um Comitê para investigar todos os eventos ocorridos. Formado por cinco juízes, um militar e um advogado especialista em direitos humanos, o novo órgão tem prometido identificar todos os envolvidos em crimes contra civis.

"A nova Síria está determinada a estabelecer a justiça e o estado de direito, proteger os direitos e liberdades de seus cidadãos, impedir vinganças extrajudiciais e garantir que não haja impunidade", disse Yasser Al-Farhan, porta-voz do Comitê, que foi anunciado como independente do governo.

Cumplicidade

O doutor em ciências sociais da PUC de São Paulo, Marcelo Buzetto, avalia que não há condições dessa comissão investigar, de forma independente, os massacres recentes na Síria. Para o pesquisador de relações internacionais, o atual governo é cúmplice dos massacres.

"Quem liderou os ataques são tropas e grupos armados do atual governo, são membros de organizações que apoiam o novo governo e que atuam publicamente, à luz do dia, com conhecimento do governo", destacou.

O professor Buzetto lembrou ainda que as torturas e assassinatos de civis foram transmitidos pela TV e redes sociais. "Algumas chacinas transmitidas ao vivo, no melhor estilo do Estado Islâmico do Iraque e da Síria, o ISIS, organização de origem de muitos integrantes do atual governo", completou.

Para o especialista, trata-se de processos de expurgos da antiga base social do governo Assad que podem ser classificados como limpeza étnica e genocídio.

"Há uma política de limpeza étnica contra as minorias, especialmente os cristãos e alauitas/xiitas, mas também, em menor escala, contra os curdos. E uma perseguição política e expurgo contra a base social do presidente Assad, o que inclui, inclusive, setores sunitas que o apoiavam", completou.

Entenda

Presidente interino da Síria, Ahmed al-Sharaa, concede entrevista à Reuters no palácio presidencial de Damasco 10/03/2025 REUTERS/Khalil Ashawi - Khalil Ashawi/Reuters/direitos reservados

A Síria vive um processo de transição de regime após quase 60 anos de governos ligados à família Assad. Uma guerra civil de 13 anos apoiada por potências estrangeiras levou à queda do governo anterior, no fim do ano passado, levando ao poder novos grupos de diferentes correntes.

O principal deles é o grupo islâmico fundamentalista Hayat Thrir al-Sham (HTS), que nasceu como um braço da Al-Qaeda do Iraque e com ideologia jihadista, que promove a "guerra santa". O atual presidente do país é oriundo dessa organização.

Desde que assumiu o poder, o presidente Ahmed Sharaa tem adotado discurso conciliador e prometeu respeitar os direitos e liberdades individuais de todas as minorias do país. Durante a guerra civil, ele era conhecido como Abu Mohammad al-Jolani.

Fonte: Agência Brasil

Comunicar erro

Comentários

Destaque Politica